UM LORCA COM MUITA DIGNIDADE: “DONA ROSITA, A SOLTEIRA OU A LINGUAGEM DAS FLORES” NA ESCOLA. PEDRO V.
Fui eu que sugeri este Lorca a Gonçalo Barata, professor de Teatro competente do Cuso de Teatro no Secundário da Escola D. Pedro V. Que, por ele se apaixonaria, numa primeira leitura, na magnífica tradução de Ruy Belo, um poeta a traduzir outro poeta. Perfeita, portanto.
Peça difícil que conjuga a tradição andaluza com a poesia: Dai o seu nome completo: “Dona Rosita, a Solteira ou A Linguagem das Flores” (1935), aliás contemporânea da célebre “Trilogia da Terra” onde se encontram “Bodas de Sangue” (1933) “Yerma” (1934), e”A Casa de Bernarda Alba” (1936). Com “Yerma” (“Erma” – mulher estéril) partilha um tema semelhante: a paixão que redonda, pela sua impossibilidade, embora por motivos diversos, em tragédia, impossibilidade de uma união futura feliz.
Estamos, nos anos 30 em que temos de contextualizar a situação coetânea da mulher: ser boa esposa e mãe, situação bem pior num país com uma mentalidade ultra-católica e dominado por uma sociedade rural profundamente conservadora. O que daria origem, num país politica e socialmente dividido ,á subsequente e sangrenta Guerra Civil (1936/39) com milhares de vítimas e onde o governo alemão de Hitler experimentou os seus arsenais de guerra no auxílio que prestou ao insurrecto general Franco. Veja-se o massacre de Guernica, no País Basco, patente num dos mais impressionantes quadros do pintor espanhol Pablo Picasso.
A linguagem das flores, as rosas que cultiva, com enorme fervor, no seu jardim, o tio de Dona Rosita – familiares que a recolheram depois de ter ficado duplamente órfã – serve, como metáfora, como sintoma anunciador da tragédia de sua vida e destino. Vermelha, cor da paixão, quando de manhã, branca, cor da desilusão seguinte, desfolhada, no fim do dia, não durando mais que uma jornada, um fugaz dia.
DONA ROSITA; ROSA MURCHA E DESFOLHADA
Assim se fana também o fugaz amor da sua protagonista, jovem eternamente à espera do seu noivo que acabará por fazê-la, em vão, esperar, flor perdendo o seu viço e cor, acabando por preteri-la e repudiá-la ao casar-se, na terra de seus pais, com uma rica herdeira. Mulher solteira, desprezada e rejeitada, eis, nestes tempos, o perfil ideal para a construção de uma heroína trágica. Conjugada aqui também com a decadência financeira e, portanto, social, da família de Dona Rosita que terá de abandonar a sua casa, vender os poucos bens que lhes restam, e recolher-se à benevolência de familiares. Esta é, de facto, uma rosa que se desfolha/fana.
Já antes, em “Yerma”, a protagonista é estéril, não consegue, por tal, manter a paixão inicial do marido e a “afronta” de outras mulheres, amigas e vizinhas, darem a satisfação da maternidade aos homens com quem casaram. A este drama realista junta Lorca (1908/1936), uma linguagem poética muito bela e simbólica. Entre estas duas devem navegar os respectivos intérpretes, sempre algo difíicil, mesmo para actores experimentados.
Estamos perante alunos do 10º ano, na sua grande maioria, iniciantes ainda, no início de um Curso que os acompanhará até ao 12º ano. Mas o seu grande amor ao Teatro – muitos deles me declararam estar a pensar em o seguir como carreira e profissão – um sentido grande de equipa, do colectivo que é esta Arte, a boa orientação do seu encenador, Gonçalo Barata, homem que teve de se desdobrar em direcção de actores, marcações, banda sonora e desenho de luz – apesar do pouco tempo de ensaios- apenas um no palco final com cenário montado, algumas substituíções de última hora, conseguiram, com algumas falhas, dar-nos um Lorca digno, entusiasmante, onde todos deram o seu melhor.
Falhas maiores, por vezes uma dicção menos clara, o não saber ainda bem onde respirar ou dividir as frases que assim saiem mais atabalhoadas, a dança entre o par apaixonado que exigia um maior erotismo e ligação entre ambos, a diferença, na representação, entre o tom realista e o esssoutro poético, sobretudo quando das canções. Mas o resultado final agradou-me bastante.
E duas coisas me compete salientar: a actriz que interpretou a primeira Ama, com uma tendinite, e com imensas dores, conseguiu que, em cena, não se desse por isso. E, no final, três sessões diárias no mesmo dia, uma estafa, os intérpretes ajudaram a arrumar todo o cenário e objectos de cena, figurinos ainda, para que tudo ficasse pronto, Auditório arrumado, para o dia seguinte. porque sei que aqui, além da técnica, se ensinam também valores indispensávei ao Teatro e a quem o deseja seguir. Como Profissionalismo, Assiduídade, Disciplina, Responsabilidade e Sentido de Equipa.
Gostei ainda da escolha dos figurinos, caracterizando bem cada personagem, desenho de luz e banda sonora, incluindo os guitarristas que abriram o espectáculo que, como de costume, começou no foyer, já fazendo parte de um cenário que vai sendo mudado pelos próprios actores. E a boa passagem do tom de luto e perda que souberam dar ao terceiro e último acto.
Parabéns, assim, a toda a vasta equipa. Fazer Teatro, com a vossa entrega e honestidade, para quem agora começa é difícil. E, vocês, todos, incluindo equipa técnica, honraram Lorca. E eu sei do que falo. Lorca é dos meus dramaturgos favoritos e dos mais, por mim, estudados e aprofundados.
Daí, os meus sinceros parabéns.
AUTOR: Federico Garcia-Lorca. TRADUÇÃO: Ruy Belo. APOIO A VOZ: Vítor Sesinando. ASSISTÊNCIA DE ENCENAÇÃO: André Azi. ADEREÇOS DE CENA: Maria José Jacinto, Manuela Lino, Colectivo. GESTÃO DE ADEREÇOS: Joana Mendes. OPERAÇÃO DE LUZ E SOM: Miriam Ribeiro. CARACTERIZAÇÃO: Maria Barbosa e Guiomar Garcia. GRAFISMO: Manuela Lino. GRAVAÇÃO DE VÍDEO: Sandra Neves. PRODUÇÃO EXECUTIVA: Sofia Serrote e Renata Cruz. PRODUTORES: Madalena Nestório e Lutónia Garcia. CONTRA- REGRAS: Maria Barbosa e Lizandra Freire. CAMARINS: Rita Santinhos e Maria Pakisi. EQUIPA DE FOYER: Daniela Silva, Guiomar Garcia, Tiago Brito Neves, Dinis Rosa e Lutónia Garcia.
EQUIPA DE PALCO: Gonçalo Palma, André Azi, Renata Cruz, Madalena Nestório, Maria Barbosa, Lizandra Freire. COMUNICAÇÃO: Madalena Nestório e Renata Cruz. INTÉRPRETES: Renata Cruz, Rita Santinho e Guiomar Garcia, Madalena Nestório, Sofia Serrote, Maria Barbosa, Joana Mendes, Lutónia Garcia, Maria Pakisi, Daniela Silva, Maria Barbosa, Tiago Brito Neves, André Azi, Gonçalo Palma, Lizandro Freire, Santiago Pinheiro, Dinis Rosa, Gonçalo Palma e Miriam Ribeiro. ENCENAÇÃO; MÚSICA DE CENA; DESENHO DE LUZ e DIRECÇÃO DE ACTORES: Gonçalo Barata.
ESTREIA: Escola D: Pedro V, 23 de Maio de 2025.
Tito Lívio
28/05/25

